Pular para o conteúdo principal

Não, falar não é fácil!

Cresci ouvindo, em situações diversas, que “falar é fácil, fazer que é difícil”. E, por muito tempo, nem questionei isso. Mas o próprio ato de não refletir sobre isso já marca uma eficiência desse discurso de falar versus fazer. “Já que não posso fazer, não vou nem falar.” E isso se repete, se repete... Quando (nem) nos damos conta, estamos falando para não falar e já não falamos mais de nada, nem de nós, nem de... Desaparecemos em meio aos pré-julgamentos (de quem?!) porque não dá para falar, porque não posso falar, porque não é legítima a minha fala. Falar o que mesmo?!

Resolvi, então, elencar alguns motivos pelos quais falar não é fácil. E, digo, falar em primeira pessoa é mais difícil ainda! Quantas vezes ouvimos em alguma aula de redação que não podíamos escrever em primeira pessoa? “Ah! Não posso escrever em primeira pessoa!” Não eu.

Continuo: falar é difícil porque me posiciono, porque me mostro vulnerável, porque posso entrar num combate ao invés de debate, porque na fala eu falho, porque é preciso ter certeza para falar (dúvidas, muitas vezes, não são bem vistas), porque se você fala, podem entender que você fala demais. E falar demais é perigoso. A nossa História já nos mostrou muito eficazmente o que acontece com as pessoas que falam demais.

E, talvez, seja por isso também que em meus boletins escolares sempre recebi “excelente”, “ótimo” em comportamento. Porque era quietinha, uma aluna exemplar. Aliás, nesse mesmo espaço escolar, nos é ensinado que exercer a cidadania é cumprir com os deveres e cobrar nossos direitos. Trabalho, pago os impostos, aluguel, comida etc. Mas para por aí! Pois cobrar nossos direitos e clamar por serviços de melhor qualidade, exercidos por profissionais, isso já faz parte do falar demais... 

Durante um bom tempo, parece que me foi muito mais compreensível entender o silêncio, os processos de silenciamento. E (agora!) tem me interessado a fala. Sigo, então, certa de que posso fal(h)ar.

Crônica publicada no meu perfil do Facebook, em 31/07/2018.

Capa disco FA-TAL - GAL A TODO VAPOR 1971.



Comentários

Postar um comentário

Outras notas

A empada e a lâmpada que não era do Aladim

Naquele natal não montara a árvore de natal: na véspera pegou apenas um enfeitizinho amarelado para não passar só em branco. As compras foram feitas, presentinhos para os próximos, de uma forma a retribuir naturalmente o que ganharia com um sorriso de que já sabia bem como funcionavam os scripts. Naquela tarde, aliás como já em outras, não havia compromissos formais. Era a época dos encontros e reencontros sociais e confraternizações coletivas. Certo. Um copo de cerveja. Desce bem, gelada. Movimentos de gente subindo e descendo. Vários ois, um e outro abraço. Sorriso. Percebe-se que estava em jejum. E sabe que se assim permanecer, logo mais, estará vomitando e dormindo, o que estragará a noite de alguém que conta com sua presença, pelo menos. Pede-se uma empada de... palmito (poderia ser de qualquer coisa, escolheu mais por opção de não se lembrar de ter já pedido alguma vez esse recheio). Do jeito que se serve,  a gente vê como comer. Se tem garfo e faca, então já se def

Início – primeira vez – origem – princípio – o melhor de mim – o pior de mim

[Uma personagem. Ambiente com baixa luminosidade. Ao longo da narrativa, outros três personagens iluminam com suas lanternas o espaço e o corpo daquela personagem. Uma caixa metálica fosca, velha, com rodas quadradas.] A primeira vez foi num parque de diversões. Até que enfim a hora marcada do trem. Mas aquilo me soou estranho. O que na minha imaginação poderia ser prazer e emoção tornou-se apenas um compromisso. O gostoso da brincadeira é o brincar. Que coisa estranha marcar, agendar a data e o horário para ir se entreter. - Você tem direito a cinco fichas. Pode escolher seus brinquedos. Isso era uma das partes geradoras de todo aquele superficialismo. Eu não precisara nunca de fichas ou ingressos para me divertir. E como poderia parar no meio da brincadeira, caso não mais quisesse continuar? Nem pensava em imprevistos possíveis, mas no simples desejo de não querer ir além. É certo que quem não aguentasse poderia gritar, espernear-se, chorar, e então eles parariam. Ma