Das coincidências de uma tarde no Pronto Socorro:
A enfermeira chama o
senhor Sebastião. Um senhor e um rapaz, parecendo seu filho, se
manifestam. Uma outra moça se levanta e diz que Sebastião é o pai
dela.
A enfermeira, séria e com humor, pede para que eles não briguem pelo Sebastião.
E qual o sobrenome? Sebastião Martins. Sorrisos. Ambos são Martins.
Risos ecoam naquela sala de medicação, em que entra paciente, sai paciente, recebem medicação na veia: soro, Tramal, Bromoprida.
A ambiguidade se desfaz pelo terceiro nome. E aí, pai e filho entendem o porquê de não terem sido eles na primeira vez que ouviram o nome na sala de espera.
Há dor de cabeça, no estômago, nas costas, dos nervos e do coração. Macas, cadeiras, acompanhantes à espera.
Um outro senhor com cara e aspecto jovial também está na sala e reconhece um dos Sebastião. Se olham e se reconhecem. Foram criados juntos em um bairro ali da cidade. Sebastião já havia reconhecido o outro há um tempo. O outro diz que não havia reconhecido. Trocam poucas palavras. O Não-Sebastião faz um cálculo e diz que passaram juntos a época dos anos 70, 72. Havia algo entre aqueles dois sujeitos que denunciava que dividiram muitas vivências nos tempos de molecagem. Mas o tempo passou diferentemente para cada um. Findaram a conversa com um "depois dos 50, é só problema".
Silêncio se fez, não havia mais o que trocar.
Um em frente ao outro. Ambos esperando o soro pingar, a dor passar.
Um, com um jeito de já ter tido muitas vidas duras numa mesma existência. Observador, calado, sapato mais surrado. O outro, com uma postura ansiosa, jeito de gente que sempre teve tudo na hora, tênis Asics.
São impressões, minhas.
Pesquiso no Google a composição do Tramal, esse negócio que parece tirar a dor de tudo. Mas vejo na bula que há muita restrição... há dores inomináveis e que para sempre vão ficar. E aqueles dois homens sabiam disso.
Crônica escrita em 17/08/18, no Pronto Socorro.
Fórmula do Tramal
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